19 de dezembro de 2007

Cultura Paresí-Haliti

“Eu tenho uma história sobre o povo Paresi, seu surgimento na Chapada dos Parecis.
Muitos anos atrás, eu acho que na formação da Terra e do Céu, a história conta que os mais velhos dizem que os Paresi moravam numa rocha fechada, sem janela, sem nada, mas dentro da rocha a multidão dos Paresi viviam muito alegres, sempre faziam festa. Só Deus que existia naquela época, aqui na terra não existia nada de pessoas humana.
Mas um dia Deus ouviu aquele barulho lá embaixo da rocha, então Deus deu uma rajada e abriu um buraco e viu que havia gente desmaiada, assim deitada, quase morta, lá embaixo. Deus pensou que eram pessoas inocentes que poderiam ter saído da rocha para habitar na terra. Depois, no dia seguinte, alguém viu o buraco aberto lá em cima e saiu, vendo o mundo lindo e as flores perfumadas; e tinha cada flor, cores diferentes e muitas outras coisas bonitas que existiam na terra. Retornando para embaixo da rocha, contou para as outras pessoas:
Eu vi uma coisa linda na minha vida. Vi o mundo lindo cheio de flores perfumadas. Gostei muito. Os amigos dele não concordavam e não acreditavam. Mas ele mostrou a flor que levou da terra e os amigos deliraram com tanta beleza e perfume. E acreditaram no que ele viu e começaram a abrir mais buracos para poderem sair dali. Então fizeram mais buracos, abriram, abriram... E assim os Paresi saíram da rocha para fora. Gostaram muito das coisas do mundo exterior e começaram a viver, fazer filhos, filhas, e assim os Paresi se multiplicaram na terra, vivendo até hoje no mesmo lugar.
Alguém já foi naquele local onde os Paresi saíram, e disse que ainda tem o sinal na rocha.
Achei linda esta história, pois Deus estava com eles, abrindo um buraco para os Paresi saírem. A partir daí que os Paresi entenderam que existe um Deus verdadeiro. E essa foi a história dos Paresi.” (Alinor Alves Zezonai, 47 anos, Professor Aldeia Felicidade) Esta é uma versão atualizada do mito de origem Paresi. O mito revela quem são os Paresi, dizendo das coisas que eles gostam muito: do mundo, do espaço onde vivem, das cores e dos perfumes das flores, da diversidade e da beleza das coisas da terra; gostaram muito de ver os animais se multiplicando e começaram a se multiplicar, vendo-os. E como acharam linda a vida, acham linda essa história. A língua Paresi pertence à família Aruâr, que se encontra distribuída desde a região guianesa até Mato Grosso do Sul. Em Mato Grosso, seus parentes lingüísticos são os Enawenê-Nawê (impropriamente também chamados Salumã), que imemorialmente habitam a região do Rio Juruena à Serra do Norte, e os Waurá, os Mehinarú e os Yawalopití, todos estes alto-xinguanos. Como os demais grupos Aruâr, os Paresi são agricultores e ceramistas. Atualmente eles são conhecidos como bons artesãos de bolas coloridas de mangaba, de bem acabados cestos e espanadores de pena de ema.
Eles se auto denominam Haliti que em português quer dizer “gente”, gente como eles. Haliti também estabelece uma oposição definida muito clara em relação ao “branco” a quem denomina imóti.
A palavra imóti está relacionada com wámuti que se refere a “gente do morro” que pode ser boa ou má, mas que é feiticeira. De acordo com o mito, os feiticeiros moram no morro de onde saem para tentar destruir o mundo. As aldeias Paresi são relativamente autônomas, política e economicamente. Se outrora, os líderes eram somente fundadores de aldeias, além dos Xamãs, hoje há grupos que elegem a sua liderança. Dentre os atributos buscados e valorizados nesses novos líderes, tem-se a capacidade de transitar em um contexto intercultural, se movimentar no “mundo dos brancos” e falar a língua para poder explicar para a comunidade tudo o que se passa. Nesta categoria de novos líderes estão: professor(a), o(a) agente de saúde, o(a) líder religioso(a) (em termos de religião dos brancos), o motorista, contudo as chamadas lideranças tradicionais como os caciques, Xamãs e cantores das festas de chicha. Quanto aos professores muitos afirmam que sempre tem alguém que não gosta muito deles. Alguns revelam sobre a relação professor/cacique: “Acontece que a escola é coisa de branco, não é coisa de índio, e o professor disputa poder com o cacique. Tem muito cacique, capitão, que não gosta de professor.” Os Paresi que atualmente vivem na Área Indígena são descendentes de inter-casamentos consecutivos entre representantes de sub-grupos distintos: Raxiniti, Waimaré, Rawáti, Wareré, e os Rozarini. Os Rozarini hoje constituem maior parcela na composição do grupo. Exceção feita as aldeias do Bacaval, Formoso, Sacre onde a maioria da população se identifica como Waimaré.
A população Paresi hoje é da ordem de 1.200 pessoas, distribuídas em 29 aldeias espalhadas nas Áreas Indígenas a eles destinadas. Assim a população média de suas aldeias é de 41,37 habitantes. As terras indígenas Paresi localizadas somam mais de um milhão de hectares. Três delas estão no município de Tangará da Serra: Paresi, Formoso e Estivadinho. Nas sociedades indígenas, não há sítios, fazendas, fábricas, empresas, lojas com seus respectivos donos. Os índios vivem na terra e dos recursos que ela oferece. E a terra é do conjunto de pessoas que vivem em cada aldeia. É porque um índio é membro de uma sociedade que ele tem o direito de usar a terra e tirar proveito dela para o seu sustento. A posse da terra é, portanto, coletiva. Como não há donos da terra, também não há empregados. Todos são igualmente donos e trabalhadores. É pelo trabalho que uma pessoa índia se apropria da terra e de seus frutos. Pelo trabalho, ele abre a sua roça e com os produtos de seu trabalho é que ele sobrevive. Seja porque os consome diretamente, seja porque os troca por outros, através dos canais de parentesco, rituais, etc.